sexta-feira, 30 de abril de 2010

Carta a Heitorzinho - nº. 2

Filho, escrevendo um e-mail à tia Ilana sugerindo móveis para seu amiguinho, descobri que você me transformou em uma "mãe profissional". Bebê, eu REALMENTE AMO a minha profissão, e nunca pensei que outra coisa pudesse me seduzir dessa forma. Buscar o nosso bem-estar nessa relação "mãe-pai-filho" tem se tornado uma quase obsessão: desde fraldas mais fáceis de fechar (mamãe e papai agradecem), colchõezinhos confortáveis, brinquedos e acessórios que façam de você uma criança MAIS E MAIS feliz. Não consigo parar, não desacelero. Negligência ZERO. E de repente me dou conta que isso é impossível. Por mais que eu me esforce, sempre acho algo para ralhar comigo mesma...
Um exemplo: Bebê, eu não consigo ficar com você muito tempo no colo! Não que pegar você no colo não seja a coisa mais gostosa do mundo... Você é leve e fofo, faz carinho no meu rosto, ri tanto... É delicioso lhe carregar no colo! Não sei bem porquê... A minha coluna dói muito desde o parto, mas nem sempre é ela gritando. Me questiono se tenho medo de lhe deixar "viciado em mim", ou de viciar em você...
Filho, estranhamente, não tenho sentimentos egoístas sobre você. Adoro dividir você com o mundo. Não consigo te deixar longe de mim por muito tempo, mas adoro ver você distribuindo simpatias e sorrisos!
Heitor, tem um aspecto de minha personalidade que a sua chegada transformou: aprendi a aceitar que nada é 100% perfeito, nem nunca vai ser, por maior que seja o meu esforço para torná-las assim. Continuo buscando não negligenciar jamais, porém, não sofro mais ao constatar defeitos... Aprendi a sorrir da eterna imperfeição do plano posto em prática, e da perfeição do acaso!
Ser mãe de Heitor tornou Helena mais humana do que nunca.
Me sinto presenteada por todos os Deuses ao sentir o seu toque macio de bebê em meu rosto enquanto mama, me sinto forte para matar mil feras e amável para cuidar de mil feridos. Me orgulho de ter misturado minha essência a de Fernando e de então ter gerado uma criatura tão maravilhosamente única, cuja alegria e amorosidade flecha a todos de Roraima à Bahia, na ida e na volta, plantando saudade e mais saudade. É impossível derramar lágrimas enquanto meu bebê ri, e não consigo mais ficar triste se ele está triste, precisando do meu sorriso para se sentir melhor... E foi assim, meu bebê, que você tornou a minha vida NECESSARIAMENTE 100% feliz!
Antes de ser mãe de Heitor, Helena achava que uma boa mãe devia ter estabilidade financeira, estrutural e emocional, para dar segurança a seu filho, para poder estar presente e dar condições para ele crescer sem problemas. Depois de Heitor, Helena descobriu que estabilidade vem de dentro. Mamãe descobriu, Heitor, que de nada adianta ter estabilidade financeira, se o ganha-pão não deixa mamãe e papai estarem com bebê; de nada adianta a melhor estrutura à disposição, se mamãe e papai não ensinam bebê a se organizar com os elementos disponíveis em qualquer situação adversa e daí, improvisar; e de nada adianta a estabilidade emocional se mamãe e papai não ensinarem bebê a se estabilizar emocionalmente quando a vida (e ela sempre faz isso!) forma seu inevitável tornado-surpresa e tira tudo do lugar.
Mamãe, Heitor, descobriu que a vida mostra todos os caminhos, quando nos agarramos com força à única árvore que sempre ficará em pé, fincada e estável, mesmo quando todo o mundo se movimentar no turbilhão do acaso: a árvore do AMOR VERDADEIRO, sincero e livre, a única certeza que não podemos abandonar jamais. Quando sentir, Heitor, que "não está mais no Kansas", lembre-se que você foi gerado e sempre cercado de muito amor. Nada mais no mundo é tão seguro.
E nem se preocupe, Bebê, de agarrar nela com muita força: caso você se solte desta árvore, Bebê, a mamãe estará logo atrás, segurando bem forte a sua cintura e lhe conduzindo de volta ao tronco!
Mamãe ainda continua...

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Carta a Heitor nº 1



O "Livro do Bebê" de Heitor pede que eu e Fernando escrevamos uma carta ao bebê... Que agonia! O que parecia simples, se tornou uma angústia só!! Há tantas coisas a dizer, e eu não sei como começar! Bom, treinarei aqui as minhas possíveis cartas, para depois tentar juntá-las todas em uma só.

"Querido Heitor,

Filho, vinte segundos atrás você choramingou na babá eletrônica, e eu fui até você. Você se contorcia no berço (acho que você faz isso por gases) e como não estava agasalhado, decidi cobrí-lo com uma manta. Você não gosta de cobertores, mas ao tentar empurrar a manta, você encontrou a minha mão. Nessa fase você costuma segurar muito a nossa mão, mas dessa vez, você também me olhou profundamente de um modo extremamente meigo e amoroso, me lançou um sorrisinho sonolento, e virou de lado. Bebê, hoje você aprendeu a dizer obrigada.
Espero que um dia, Bebê, você tenha filhos. Sei que a vida é muito gostosa de ser vivida, com seus altos e baixos, paixões e descobertas, culturas diferentes, tanta coisa para consumir a energia infinita que mora em nós. São tantas músicas para dançar, tantas pessoas para conhecer, tanto a aprender e a ensinar. Filho, viver é tão bom que você certamente nunca se cansará da sua liberdade, da salada de possibilidades que envolve existir.
Pois Heitor, do meio dessa energia toda, eu te gerei... Não sabia bem no que ia dar, não podia acreditar que você me transformaria em uma pessoa diferente - nem queria acreditar nisso, pois adorava demais tudo que eu era para me deixar transformar assim, tão fácil... Me movia com a mesma energia, fechava caixas de mudança, fazia compras até a véspera do seu parto.
Quando você nasceu e foi para a UTI, levantei da cama, esquecendo a minha condição de operada, e fui lhe ver. Briguei com a enfermeira do berçário e obriguei ela a me deixar ver você. Fui durante toda a madrugada à UTI, por vezes só para ficar ao seu lado... Por amor? Ainda não, filho, por responsabilidade. Cuidei de você por nove meses, dentro de mim. Não podia mais aceitar que outra pessoa fizesse isso por mim, pois você era MINHA responsabilidade. Mais do que isso, eu me coloquei no seu lugar. Olhei nos seus olhinhos assustados e percebi como você respirava tranquilo quando ouvia a minha voz... Não era justo! O mundo ainda não era o seu lugar, e eu era o que mais se aproximava do seu antigo mundinho feliz... Eu era o seu planeta Krypton, que se foi... Eu não podia sair, dormir, não era justo com você.
Ali briguei por você, briguei para ver você fora dali, nos meus braços, o mais próximo possível de algo que chamamos de "lar". Desde então você entendeu que eu era o seu lar, e você era minha responsabilidade...
Umas semanas atrás, Bebê, você estava mamando no meu peito, feliz e esfomeado, em plena madrugada... Você não acorda de madrugada para mamar, e por estar com baixo peso, eu preciso ficar aqui, acordada, esperando a hora de lhe colocar no seio dormindo. Você mamava no meu peito dormindo, quando de repente acordou, com os olhos esbugalhados. Você parou por segundos, como se me reconhecesse, e sorriu com o peito na boca. Sorriu leite escorrendo pela boca, sorriu com os olhos, e então, de repente, voltou a mamar. Heitor, me senti como o personagem do filme "Cocoon", recebendo uma bola flamejante de amor puro nos peitos!! Um amor limpo, virgem, não contaminado, tão forte e entregue que eu nem podia prever que existia.
Filho, depois que você dormiu eu chorei de vergonha. Me senti tão tola de pensar que você não poderia me transformar! Achava que "transformar" queria dizer mudar os termos da minha vida, meus desejos, meus planos... Filho, você transformou a minha noção do que é responsabilidade, e do que é VERDADEIRAMENTE amor. Sentei e me concentrei muito para guardar esse sentimento em minha memória... Guardei bem guardado no fundo do meu peito e procurei me conscientizar de que, gradualmente, você irá crescer e, um dia, não se lembrará mais de já ter sentido um amor assim, tão profundamente limpo. Guardei esse amor para lhe contar um dia que ele existe, e que eu o vi em seus olhos. Procurei guardar a memória do seu amor virgem e em seguida, deixei ele livre. Não desejei sentir isso para sempre: ao contrário, guardei a consciência de que ele se transformará... Você se transformará, crescerá, até que um dia recupere esse amor nos olhos do seu filho. Aí você entenderá o que entendo agora: na vida, nós andamos em círculos... Começamos profundos e energeticamente intensos e daí, vamos perdendo a força pelo caminho. Bebê, a arte da vida é, mesmo estando desgastados, sofridos, enriquecidos e cheios de sabedoria mundana, saber reconhecer o amor na sua pura forma, quando o vermos novamente.
Bebê, desde então você tem me dado tantos desses olhares! Você mama um peito e acaricia o outro, grato; você suspira e sorri derramando leite, olhando para mim como se nada no mundo pudesse ser mais importante, lindo, iluminado. Você vê Deus em minha face, filho. E eu, humildemente, agradeço ter vivido para ver uma coisa assim tão linda, e me belisco para voltar ao mundo real. Sou só mais um corpo sobre a Terra, com sua personalidade, suas vontades, sonhos, vacilos e acertos, tentando dar sempre o melhor. Bebê, não sou como você me vê, de verdade. Mas sertir-se assim aos seus olhos é um presente para toda a vida. Nada mais faz tanto sentido, e a partir de agora, tudo faz todo o sentido. Amar é assim, simples. Talvez por isso se torne tão difícil, depois que crescemos e nos tornamos complexos...

Mamãe continua. Amo você".